O CORREDOR DÁ ECO

By | 20:24 Leave a Comment

- Eu vou matar! Eu vou matar um hoje!

É toc, toc, toc, toc, toc pra cá. É toc, toc, toc, toc, toc, toc pra lá. Só se ouve o som do salto do sapato ecoando de um lado para o outro do corredor, enfurecidamente, como se fosse a Gestapo acabando de ouvir o som de um alfinete caindo, vindo direto de um fundo falso de armário encostado na parede de madeira de um casebre localizado no subúrbio de uma cidadezinha de uma Polônia qualquer.

Silêncio, tensão.

- Será que é comigo?

- O que eu fiz dessa vez?

Perguntavam-se todos.

- Ela não deve ter tomado o remedinho.

- Alguém dá um doce pra ela, peloamordedeus!

Uma voz tentava acalmar.

Foto: Banco de Imagens
De repente, mais gritos. Dessa vez, uma risada. Um som alto, embargado, assustado ‒ e assustador ‒, de alguém que, num sobressalto, acabou de esbarrar em um corpo que vinha rastejante, silencioso, esvaindo-se contra as paredes em uma tentativa vã de passar despercebido. Algumas entonações diferentes de vozes depois, a sensação de que uma conversa minimamente amigável fluía por ali, e (ufa!) o clima amenizou e todos voltaram a se mexer em suas cadeiras, o som dos teclados voltaram a ambientar o escritório e a rotina seguiu normalmente.

Na janela, o assobio do vento que balançava os galhos das árvores lá fora. Na porta, a campainha tocava como um sinal de que a vida precisava continuar por ali. A pobre alma incógnita ameaçada de morte permanecia vagando indiferente sob os olhares desconfiados e piedosos daqueles que há pouco presenciavam tal sentença.

Acabou-se a concentração, o batimento de metas já não existia mais. Só o que restava era um misto de incerteza e indignação. O corredor passou a ser evitado. A reverberação dos sons ali emitidos foi contagiante, refletindo em risinhos desconfiados ou o pânico no olhar dos receptores da mensagem. O corredor dá eco, o corredor dá medo e (alguém discorda?) o corredor dá morte.


Ainda era o segundo dia daquela semana, mas algo dizia que, não, não seria nada fácil seguir a diante com aquela rememoração, banhada por inconsequente e, cada vez mais frequente, ato de coação e incitação ao ócio. 
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