Sabe essas noites
que você sai caminhando sozinho, de madrugada, com a mão no bolso, na rua? Pois
é, eu não sei mais o que é isso. E nem pretendo saber. Até gostaria, mas não
pretendo mais. Ao menos, não por enquanto, enquanto for obrigada a viver neste
cárcere privado em que se transformou a nossa sociedade.
Assim como o
pessoal da banda Blitz sugere na letra da música citada acima, eu também já
andei assim, despreocupada, despretensiosamente, sozinha, na rua, de madrugada,
pensando na vida, rindo e sonhando com aquilo que imaginava ser ideal para o meu
futuro. Mas isso foi há bastante tempo, lá no interior do interior, onde nasci
e fui criada até a adolescência. Hoje em dia, nem lá a gente pode mais viver
assim. Hoje em dia, a realidade é bem mais cruel que o pior dos meus pesadelos ou
neuras da juventude.
Foto: Banco de Imagens |
O mundo evoluiu, é
o que dizem. Mas as pessoas, essas, com certeza regrediram. As pessoas
emburreceram, se alienaram, estão chatas, más, implicantes e, na maioria das
vezes, insuportáveis. Não se pode mais ter momentos de paz, segurança e
tranquilidade, principalmente se for na rua e, pior, de madrugada. Não se pode rir
ou chorar sem ser julgado, não se pode brincar ou dançar, sem ser pisoteado.
Não se pode falar ou pensar, sem ser apontado, criticado ou rechaçado. Não se
pode confiar em ninguém. Sair na rua e não ser assaltado ou encontrar uma bala
perdida, já tem sido um privilégio de poucos. Não se pode ter amigos, combinar
um acampamento, um luau na praia, nem mesmo uma pizzada no restaurante da
esquina. Tudo que for ao ar livre passou a ser um risco iminente. E quando se
está dentro de casa, mesmo os mais blindados, contam apenas com a possível
sorte de não serem descobertos.
Bandidos ficam cada
vez piores, porque estão se tornando cada vez melhores. Melhores naquilo que
fazem, não acomodados naquilo que se propuseram a levar como sustento de vida ‒
diferentemente da grande maioria dos cidadãos comuns. E a sociedade, evoluída
que é, tem lhes proporcionado isso, a cada dia mais. São inúmeras as
oportunidades de formação, com especialização em malandragem, doutorado em
corrupção e MBA em armamento pesado. É muita facilitação, é grandiosa a
acessibilidade aos recursos, e o exemplo vem lá de cima. O ensinamento da arte de
se aproveitar do próximo, vem se aprimorando de geração em geração e eles estão
cada vez melhores em serem os piores.
E eu? Eu ando tão
down. Francamente, tem hora que dá é uma vontade imensa de desistir de tudo. Se
é para viver assim, sem poder ter prazer nisso tudo, é melhor abandonar o barco
de vez antes do naufrágio. Mas, não posso.
Se é que existe outra vida além dessa, eu preferiria
acordar do outro lado, ao menos, com alguma lembrança boa do que já vivi por
aqui. Mas, não posso. Não posso em razão do ditado, aquele que diz: ‘Quanto
mais a gente se abaixa, mais expõe o fundilho’ [ou algo parecido, que em
espanhol fica muito melhor pronunciado]. E com o fundilho à mostra, meus caros...
Rá!
Não, não posso. Não me
entregarei jamais.
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